31/05/15

Areias de corpo e alma












O mar enfureceu-se contra os homens, ergueu suas ondas e lançou-se, resgatando as areias que eles não souberam cuidar.
Mas um dia, uma mão cheia de príncipes surgiu e quis provar ao mar que sabia da importância das areias e que havia de cuidar delas e chamar de volta as criaturas que outrora haviam feito das areias morada.
Prometeu que a vegetação que, um dia, povoara as areias havia de voltar para baloiçar-se ao vento naquela dança que ele, o mar, gostava e que o apaziguava.
O mar exigiu que se erguesse um belo castelo a fim de proteger as areias.

Mas os príncipes, que não eram mais que uma mão cheia e que traziam nas mãos apenas a vontade, que era boa, não prometeram castelos e ergueram muros simples, que, de tão simples, foram motivo de chacota por parte dos homens que haviam enfurecido o mar. Eram muros de ripas de madeiras, a que chamavam paliçadas, para abrigar as areias e não deixar que fossem levadas pelos ventos quando de seus ataques de fúria. Entre uma ripa e outra deixavam pequenas frestas, que eram como janelas para que o mar não perdesse de vista as areias que amava.
E cuidaram das pequenas plantas, que os homens apelidavam de ervas e que, apesar de moribundas, ainda espetavam aqui e ali a anunciarem-se na areia.
Ao longe, os homens, de braços cruzados, cochichavam entre si e, do alto da sua ignorância, atestavam que os príncipes eram loucos por acarinharem ervas.

As luas correram no céu. Veio o inverno. Após a primavera ergueu-se o verão e, como veio, se foi.
E muitas mais luas passaram. Passou novamente uma estação atrás de outra, como está escrito que seja.

Chegou, por fim, a primavera que haveria de mostrar que a vida, em silêncio, regressara às areias, que agora não eram apenas montes de areias que o vento levava daqui para ali. Não. Agora eram areias de corpo e alma, porque criaram raízes e deram vida a borboletas e pequenas aves. As areias agora são dunas. E das dunas desabrocham cores e cheiros que haviam sido esquecidos. E hoje, das dunas também desabrocharam asas que já ensaiam voo.






* Trabalhos que se fazem, na tentativa de repor o que, um dia, foi destruído aqui.


27/05/15

Uma batalha de cores e matizes



Esta é a época em que a natureza se veste de cor e desdenha das combinações que a moda dita.
O amarelo, a quem não escondo minha preferência, estufa-se vaidoso e enceta uma batalha de matizes contra o verde a preencher a paisagem.
Não o incomodam os pontinhos de rosa que com a alegria própria da inocência também querem um lugar ao sol, nem tão-pouco se interessa pelos encarnados que se juntam aos molhos e ensaiam um motim a reclamar protagonismo na pintura da grande tela.

Nesta guerra de cores quem ganha é o meu olhar que dança música de vários tons e, distraído, deixa que minha alma lhe escape dos olhos e solte-se nua pelos campos.


Mulher no jardim - pintura de Vincent van Gogh

19/05/15

Os ventos indomáveis moram aqui




Os ventos que vieram do norte frio escolheram esta terra para morar.
Eu bem disse à terra que fechasse suas portas e não os deixasse entrar. Mas esta doce senhora que acolhe os que chegam, respondeu-me que não era de bom-tom não abrir a porta às visitas e, recebeu os desaforados que se instalaram e deixaram-se estar por cá.
Fizeram-se senhores desta doce terra e até enxotaram, para o lado, o bom calor que já cá estava.
E sopram e bradam e descabelam, deixando em despreparo toda a gente, que se divertem a empurrar!

São terríveis estes ventos indomáveis!

Às árvores, quando passam por elas a correr, roubam as folhas viçosas com que a primavera as vestiu e jogam ao chão os pequeninos frutos acabadinhos de nascer, que ainda mal se seguram à mãe.
Azucrinam as gaivotas que até voam de lado quando os ventos cismam de lhes soprar.
Entram-nos pela casa adentro, os malcriados! a bater portas e janelas, como se a casa fosse deles! E saem, de novo, a correr antes que os possamos agarrar.

Anda toda a gente desta terra, que era doce, em polvorosa, por conta dos ventos indomáveis, terríveis, malcriados! que querem é roubar-nos o sol, mas pouca sorte hão-de ter, porque esse, é nosso e, já tratou de enviar seus raios doirados que fincaram raízes num lugar secreto, algures por trás da montanha. E esse é segredo que os ventos, por mais que soprem, não conseguirão saber.


17/05/15

As nossas dores



Nós somos uma alma marcada por cicatrizes que vamos acumulando no nosso percurso.
Porque as perdas são várias. Algumas marcam bem fundo, como feitas a estilete e, deixam cicatriz que nunca desvanece, porque a dor da perda quer fidelidade e parece ter medo que esqueçamos que ela foi nossa um dia.

Há perdas que semeiam em nós dores que nos fazem chorar baba e ranho durante dias, semanas, meses a fio! e depois, acompanham-nos durante todo o resto da vida. Às vezes, parecem meio adormecidas. Mas apenas até que uma voz, ou melodia, ou um qualquer cheiro as acorde. E aí, acordadas desse entorpecimento do sono voltam a latejar com a força de início e, é difícil tornar a aconchega-las no regaço e fazê-las adormecer.

As nossas perdas, essas, ninguém as sente, nem sofre por nós.
Nada as colmata, a não ser nós mesmos, quando, depois do ranho todo cá fora, inspirarmos fundo e nos vier a vontade de sobreviver.




12/05/15

Minha Utopia




No fazer da
Minha saudade
Uma lembrança
Do que nunca
Foi verdade,
Enganei
O desalento.
Consegui que o desejo
Fosse ordem,
Que a dor
Fosse sonho,
Que a morte
Fosse vida.



06/05/15

Ó amor!




Ó amor idolatrado!
Tanto do que te cantam
São lágrimas de abandonado.
Por te quererem
Tantos choraram,
Tantos filhos nasceram,
Tantas mães lamentaram.
Quanta vida por viver
Quando a alegria deixou de ser.
Terá valido a pena?
Que o diga
Quem amou.
Se para passar pelo amor
Riu e chorou,
Conheceu tormenta e dor,
Pediu a Deus,
Inverteu o santo,
Perdeu-se na espera,
Não usou véu nem manto,
Culpou os céus, por fim,
Dos pecados seus.